OS LARÁPIOS - Pequena Amostra.
Desde a sua inauguração, há mais de
trinta anos, o estabelecimento sempre foi um dos mais badalados da cidade. É só
o sol se pôr que já começam a aparecer os boêmios dispostos a beber e a degustar
tudo o que lá é servido. Desde as guloseimas mais banais, como as diminutas
porções de filé mignon no espetinho, pastéis e coxinhas, até as pizzas e os
pratos mais requintados capazes de satisfazer aos mais exigentes paladares,
tudo ali é saboreado. Sem falar nas bebidas – um capítulo à parte –, para atender
aos gostos mais extravagantes. Da cachaça rebenta peito aos drinques mais sofisticados,
passando pelos vinhos das melhores qualidades e das safras mais apreciadas, não
importando a nacionalidade. Nunca deixando de lado o chope e a cerveja, tudo ali
é servido para atender à mais eclética das freguesias.
Num ambiente como aquele, onde se
mesclam gente simples aos maiores dignitários da cidade, além das moças de
família, e outras nem tanto assim, até crianças são vistas, em flagrante
desrespeito às leis protetoras dos menores de idade. Percebendo ser ali um
daqueles lugares onde todo gato é pardo até que se prove o contrário, Rubião trata
de se enxerir entre aqueles fregueses na tentativa de garantir a própria
sobrevivência pelos próximos dois ou três dias.
Em suas andanças de até hoje à procura de
sua maior preciosidade perdida ele sempre ouviu falar de Maringá. Mas nunca imaginou
a cidade com toda aquela pujança e ostentação de riqueza, ao menos pelo que ele
pôde deduzir numa visão repentina e superficial. Como sempre faz ao chegar num lugar
desconhecido, antes de tudo ele andou por praças e avenidas, observando o macro
ambiente, os estabelecimentos comerciais, os trajes e os comportamentos das
pessoas, os tipos de automóveis a transitar... Além de dispensar atenção
especial à Segurança, mais propriamente ao número de policiais nas ruas e à
existência de câmeras de vigilância. Depois, ao anoitecer, examinou os hábitos
noturnos da população na tentativa de descobrir onde lhe seria possível
angariar seus meios de sobrevivência. Anotou os nomes de todas as ruas, praças
e avenidas por onde andou – o seu truque mais usado para demonstrar
conhecimento da cidade onde estivesse e não se denunciar como forasteiro.
O último carro usado por ele fora
deixado a uns três quilômetros do perímetro urbano, fora da rodovia em meio à
plantação, num lugar impossível de ele ser avistado, a menos que o agricultor
passasse por lá a cuidar da lavoura. A pé caminhou mais ou menos uma hora,
entrando na cidade pela Avenida Morangueira – que depois tem o nome mudado para
Avenida São Paulo – até onde ela cruza com a Avenida Brasil, já na parte
central da cidade. Andou pela Brasil no entardecer, percorrendo quase toda a
sua extensão, até uma de suas muitas praças onde se viu diante duma escultura
em bronze de aproximados quatro metros de altura, representando uma pessoa indistinguível
quanto ao gênero. Completamente estranha, a imagem chamou-lhe a atenção pela estatura
extravagante e a desconcertante magreza, além dos braços erguidos como alguém
que tivesse sido surpreendido por um assaltante. Uma figura totalmente
diferente de tudo o que se pode esperar dum ser humano comum! Indagando aos
transeuntes ficou sabendo o monumento ser chamado de Peladão, por sua estranha
pose a representar uma pessoa desprovida de roupas, a não ser um ramo de
parreira, cuja inspiração do escultor ninguém soube explicar. Assim ele permaneceu
ignorante ao fato de o monumento ser a homenagem aos desbravadores daquelas
terras onde há mais de meio século tiveram a coragem de adentrar o sertão para
construir a cidade, hoje uma das mais pujantes do país.
No entanto, mesmo o monumento lhe
parecendo tão singular, ele não era o foco principal de Rubião na cidade. Seus
objetivos nunca tinham sido conhecer a história dos lugares por andava, muito
menos as motivações dum artista para realizar algo tão bizarro àquele ponto.
Por isso, a noite já começando a cair, era preciso seguir seus instintos à
busca do que era necessário. E ele logo enveredou pela Avenida Curitiba,
passando rente a um hospital para descer até aonde ela desemboca na Praça
Manoel Ribas – logradouro das noites mais efervescentes, onde se concentram os
melhores estabelecimentos noturnos da cidade, para lá escolher aquele onde
entrou. A clientela misturava, num mesmo ambiente, respeitáveis senhores com
suas esposas, cidadãos com ares de executivos, damas solitárias, jovens e até
crianças.
Para Rubião era imperioso não errar na
avaliação. Por isso, antes de escolher em qual “buteco” entrar ele se ateve aos
perfis dos frequentadores de cada um deles que eram no mínimo uma meia dúzia a
pouca distância uns dos outros. Modelos de carros, vestes das damas e galhardia
dos cavalheiros eram critérios infalíveis para a escolha de suas vitimas. E,
por aquele critério, logo sua escolha estava definida. Antes, porém, era
preciso pensar num meio de fuga, caso seu plano não funcionasse como o esperado.
Por bons dez minutos ele esteve a observar os carros estacionados nas ruas
próximas, até descobrir um que, além de pertencer a um frequentar do
estabelecimento escolhido, pudesse propiciar autenticidade nos imprevistos
passíveis de acontecer quando estivesse a fugir. E logo ele apareceu, deixado
numa rua transversal não muito distante do bar, a mais ou menos uns cinquenta
metros de lá. Definida a vítima agora era
só adentrar o mesmo bar que ela para dar continuidade ao plano.
“Definitivamente elas são mais abusadas
que os homens!” – escandalizou-se ante o vozerio daquelas senhoritas com ares
de donzelas suplantando os homens em manifestações nada elegantes. “Depois de
duas ou três doses elas perdem de vez a vergonha!” – se abobou ao ouvir os
palavrões, a ele mesmo impronunciáveis, vomitados de tão belas bocas. Evitou o garçom que, cortesmente, já se lhe
dirigia a indicar a mesa onde deveria sentar-se. Não pôde aquiescer à gentileza,
porque antes de tudo era preciso estudar a vítima, absorvendo todos os gestos
por ela praticados a fim de evitar surpresas na hora de agir. Além daquilo,
para a fuga ser bem sucedida seria imprescindível ter o caminho aberto sem
nenhum obstáculo. Por isso o lugar não podia ser aquele que, sendo ele ali nada
mais que um estranho, provavelmente ser-lhe-ia oferecido pelo servente.
O carro escolhido não lhe causaria
nenhuma crise de consciência, pois, o seu dono – homem branco e dono dum
corpanzil de fazer inveja – certamente não sentiria tanta falta dele, já que o
seu jeito indicava ele ser dono de outros ainda melhores que aquela Hilux de
onde desembarcou na companhia da mulher que só podia ser sua esposa e do
moleque de seus doze anos, com certeza seu filho.
Acomodado na mesa ao lado daquela onde estavam
suas pretensas vítimas, e percebendo a facilidade proporcionada pelo descuido
do cidadão cuja chave do veículo fora deixada à mesa sobre a toalha num ponto
onde distraído que parecia ser ele não perceberia a sua subtração, Rubião se permitiu
um pouco de relaxamento. Além de tudo, o lugar era o melhor que poderia ter
sido escolhido, propiciando-lhe observar grande parte dos acontecimentos à sua
volta. Era uma mesa pequena para no máximo duas pessoas, posta bem ao canto donde
era possível enxergar a porta de entrada e boa parte da avenida, além de
propiciar atenção às mesas mais ocultas na penumbra, capazes de proteger a
identidade dos frequentadores, que também serviria a quem desejasse maior
intimidade para tratar de negócios que não pudessem ser do conhecimento de
estranhos aos envolvidos naqueles assuntos.
O ambiente era grandemente agitado. Lá
estavam moças e rapazes esportivamente vestidos, homens de bermuda e chinelo,
mulheres elegantes, até fidalgos trajados à caráter. E apesar da proibição ao
fumo em lugares fechados, era bem visível a nuvem de fumaça a levitar,
iluminada pelos fachos de luz a descer dos abajures que projetavam claridade
direcional sobre as mesas.
O burburinho era dos mais consideráveis,
cada um procurando ser ouvido da forma mais clara possível, não importando que
para isso fosse preciso suplantar as outras vozes que também se elevavam às
alturas para serem compreendidas. O resultado era aquela balburdia beirando à
loucura, onde para ser entendido elevava-se cada vez mais o tom, até o ponto em
que o ambiente se tornasse idêntico a uma feira livre onde os mercadores gritassem
a plenos pulmões para desovar suas mercadorias. E ainda havia a música ao vivo
que os artistas executavam em elevados decibéis, contribuindo ainda mais para que
o ambiente fervilhasse para muito além da razoabilidade.
Antes de deglutir o primeiro gole da
cachaça mais em conta que viu no cardápio, Rubião deteve a mão com o copo a
meia distância entre a mesa e sua boca, permanecendo estático naquela posição
ridícula por alguns instantes. Até que, não querendo chamar tanto a atenção,
engoliu de uma só vez a pinga, para novamente se ater àquilo que lhe soou como
a mais nítida loucura da própria cabeça. Aquela cara lhe era muito familiar,
embora, sendo ali a sua primeira vez naquela cidade, aquilo lhe soasse como o
maior dos impossíveis. Se fosse verdade a sua desconfiança, aquela seria a mais
improvável das coincidências, já que ele nunca tinha sido homem de convivências
tão sofisticadas como lhe pareceu ser a daquele sujeito que seus olhos viam,
nem jamais ele poderia ter se envolvido com um fidalgo daquele porte, apesar de
o desleixo pessoal representado pela barba há alguns dias sem fazer e o abdome
avantajado contribuir mais ainda para que o homem lembrasse alguém conhecido. Aquela
cara só podia ser muito semelhante à de alguém que ele já vira, nada mais que uma
figura idêntica a alguma que ele tivesse conhecido – embora, para manter
qualquer contato com ele, tal pessoa nunca pudesse se vestir com tanto esmero.
Aquela figura o encasquetou até à
indiscrição de não conseguir desviar dela o olhar, quase a chamar a atenção das
pessoas que lá estavam à mesa com ele. Dentre aqueles convivas estava uma guria
de seus vinte e tantos anos, com jeito espoleta, além de se mostrar bem relacionada
com todos os frequentadores daquela ala reservada do bar. Perambulava de mesa
em mesa, se entretendo com muitos daqueles fregueses; em seguida voltava à sua
mesa, aonde aquele sujeito parecido com alguém que Rubião conhecia permanecia
em infindáveis assuntos com outro sujeito aparentando ser da mesma estirpe que
a dele.
Tanta exposição acabou deixando a moça
em evidência aos olhos de Rubião, que já não dava a mesma importância ao sujeito
de físico desleixado, apesar de bem vestido, que só podia ser o pai dela. Agora
ele se ocupava das coisas que a via fazer. E para sua sorte – ou sua desgraça!
– a moça fez algo totalmente descabido entre pessoas da mesma marca que a dela:
sutilmente passou a mão na carteira que um daqueles fidalgos tinha deixado
sobre a mesa. O homem – velho já duns setenta anos – continuou seu prolongado
bate-papo com a mulher que tudo indicava fosse a sua velha e outros dois
cidadãos com quem o assunto parecia ser dos mais importantes. Ele também deveria
conhecer bem a moleca que lhe surripiara a carteira, pois, jamais deveria
imaginar que ela fosse capaz de roubá-lo. Sendo possivelmente amiga dele, teve
todo o tempo que precisou para retirar da carteira algumas cédulas, escolher
umas poucas dentre elas, inclusive algumas moedas, e novamente devolver a
carteira onde ela estava. Tudo feito com tanta habilidade que ninguém desconfiou
do que ela fez!
Vendo o que ela fez, Rubião logo se
desligou de sua vítima anteriormente escolhida, do sujeito desleixado com a
pretensão de ser elegante que pensou ser seu conhecido – de quem a moleca deveria
ser filha –, do velho que ela acabara de roubar e de todos os demais que estavam
à volta. Agora não perdia a garota de vista, apenas aguardando o momento certo
para abordá-la e, com sorte, obter dela o máximo de vantagens que pudesse.
Afinal, o que ela tinha feito era a coisa mais improvável entre pessoas da mesma
marca dela!
E a oportunidade logo surgiu, quando a viu
se afastar mais uma vez de sua mesa, agora rumando à toalete. Adepto do adágio que
diz uma oportunidade ser um cavalo encilhado que nunca passa duas vezes pelo
mesmo lugar, antes de se postar à entrada do banheiro para abordá-la sem que
ela pudesse dar o alarde do que aconteceria, num lance de pura sutileza, como
quem apenas transitasse por ali, esbarrou a mão sobre a mesa para levar a chave
do carro da vitima anteriormente escolhida sem que o homem de nada desconfiasse.
Logo à saída do toalete a pobre moça se
surpreendeu com aquele desconhecido a fita-la num semblante ao mesmo
convidativo e ameaçador. Tamanha demonstração de veemência não permitiu a ela
se esquivar daquele olhar intimidador, pois, certamente aquele sujeito tinha
visto o que ela acabara de fazer. E, antes de ela readquirir o autocontrole a
surpresa a fez titubear, mesmo lá em sua cabeça os pensamentos insistindo ela não
poder permitir àquele desconhecido colocar em risco o seu hábito pervertido que
tanta satisfação lhe proporcionava.
Apesar das constantes acusações de sua
própria consciência, seus pequenos furtos sempre tiveram o mérito de
proporcionar aquela mesma satisfação, típica dos cleptomaníacos, que agora ela
sentia. Mesmo depois da abordagem daquele estranho, ela ainda se rejubilava por
mais uma vez ter conseguido ser mais esperta que alguém, ainda que a vítima não
passasse dum velho rico e pretensioso, a quem a importância subtraída nunca faria
falta alguma.
Entretanto, agora a situação começava a
desandar. Aquele desconhecido, que certamente seria um delegado ou detetive de
policia que ela ainda não conhecia, estaria ciente do seu furto praticado há
pouco. Então, nem o seu pai, com toda a influência que exercia sobre a Polícia,
seria capaz de livrá-la do flagrante. De sorte que a única coisa a lhe parecer
sensata naquele momento era aquiescer à intimação e, quiçá, ela pudesse também
engabelar aquele sujeito conhecedor da sua falta.
Ele, bom conhecedor dos dramas de
consciência de quem acabasse de cometer um delito como aquele, nem considerou a
possibilidade de ela insistir na reação que, em principio tentou esboçar. E não
foi difícil intimá-la a segui-lo a certa distância até à porta da rua, antes
chamando ao garçom para pagar a cachaça que tinha ingerido.
– Voce é policial? – Ela facilitou
sobremaneira as coisas para ele. Com aquela deixa se lhe escancarou a
oportunidade de obter dela o que bem quisesse!
– Delegado Malvino – ciente de ela estar
de guarda totalmente arriada, logo improvisou.
– E o que voce quer de mim? – Mal
conseguindo abafar a voz, numa demonstração de total descontrole, ela facilitou
ainda mais as coisas para ele.
– Em primeiro lugar quero que voce fique
tranquila – ele cochichou-lhe aos ouvidos. – Não será bom os teus amigos saber
o que voce fez, não é verdade?
– Eu não fiz nada! – Caindo na armação
criada por ele, cochichando ela tentou se defender.
– Ah, fez! Voce e eu sabemos muito bem o
que voce fez. Por isso é bom me seguir sem questionar, senão todos aqui vão
saber que voce é uma ladra!
Ciente de aquele policial ter visto o
que ela tinha feito, a moça desandou a tremer, quase não conseguindo manter-se
em pé, pois, de repente as pernas pareciam não suportar o peso do corpo; seu
coração perdeu o compasso, o fôlego começou a lhe faltar e a voz insistia em não
sair. Sua capacidade de raciocínio tornou-se deficitária ao ponto de ela não
conseguir pensar em nada que justificasse aquele furto, como sempre acontecia
quando alguém descobria outros que ela tivesse praticado – algo tão corriqueiro
em sua vida, que jamais tinha lhe criado o menor constrangimento –, apesar de altamente
motivadores. Afinal, sua vítima daquela noite era um dos homens mais ricos da
cidade, para quem a quantia furtada não passaria de mera ninharia que ele
jamais perceberia ter-lhe sido subtraída. Mesmo assim, ninguém, além daquele
delegado enxerido, podia saber o que ela tinha feito.
Acompanhando-o pela avenida mal
iluminada por causa das sombras projetadas pelo arvoredo lá abundante, ela deu
graças ao passar perto de onde estava Petruchio – fiel guardião, sempre nas
proximidades de onde seu pai estivesse, como se do velho fosse a sombra. Apesar
de avançado em anos, o segurança tinha fama de ser muito astuto, e ninguém
sabia da sua excepcionalidade, pois, demonstrando uma argúcia acima da média, a
ele nunca tinha sido difícil convencer que sua particularidade intelectual nada
mais fosse que acentuada perspicácia. E, fazendo jus à fama, logo o cão fiel
desconfiou que algo errado estaria acontecendo, pois, não era comum a moça
abandonar tão acintosamente o pai para ir com um namorado a lugares tão desaconselháveis.
Por isso, esforçando pela discrição, Petruchio seguiu-os com o olhar até que
começassem desaparecer na penumbra, subindo pela Avenida Rio Branco para onde
estava a caminhonete escolhida por Rubião para a fuga.
Então, considerando improvável que o seu
patrão pudesse gostar do que estaria acontecendo, Petruchio deu-se a perseguir
os dois, em principio devagar. Mas, na medida em que os via cada vez mais
distante, começou correr na tentativa de alcança-los para averiguar o que de
fato estaria acontecendo. Percebendo o vulto que vinha atrás, a moça tinha certeza
de tratar-se do segurança de seu pai. E não querendo que ninguém de sua
convivência soubesse o que tinha feito, mesmo sem saber para onde o delegado a
estaria levando para interrogatório, começou também a correr, obrigando Rubião
a segui-la para não perder a presa, embora sem saber o que era que tinha dado
nela para agir daquele jeito tão improvável.
“Diabos! Parece que hoje eu me dei foi
bem com essa doida” – vendo-a cada vez mais veloz, fugindo ele não sabia de quê,
Rubião desconfiou que estivesse se metendo numa enrascada. Embora sem
demonstrar convencimento acerca do que fazia, a garota o arrastava numa pressa
capaz de fazê-lo desconfiado de suas prováveis intenções. Afinal, se alguém lá
carecia de urgência aquele só podia ser ele mesmo, o único interessado em fugir
o mais rápido que pudesse daquele lugar. Mas, estranhamente, era ela quem
tomava aquela iniciativa!
E o estranho jeito de ser daquela garota
não se limitava à pressa sem saber aonde ir. Passando por uma boutique, mesmo correndo,
ela freou seus passos diante da vitrine para observar sua própria imagem
refletida no vidro, demorando alguns instantes a passar a mão pelos cabelos e a
se virar numa olhadela à sua própria figura – principalmente o quadril – como
quem quisesse se certificar de que tudo em seu corpo estava em ordem. Depois
prosseguiu a puxá-lo sem saber para onde.
Agora Rubião já sabia não ter sido mesmo
boa ideia se meter com aquele ser que se lhe mostrava completamente inadequado
nos modos de agir. Arrastado por ela, a se mostrar dona de uma pressa
misteriosa a confundir sua cabeça, ele não enfrentou dificuldades para fazê-la
mudar o rumo da corrida para a rua transversal onde estava o carro que ele
escolhera para a fuga.
Parecendo adivinhar o que ele tinha em
mente, ela não ofereceu a menor resistência em embarcar na caminhonete assim
que o viu acionar o destravamento das portas. Depois, vendo-a demonstrar pressa
em sair dali, ele nem desconfiou das causas daquela urgência em evadir-se num
avexamento em que ela mesma quase acionou a partida, além de permanecer
impaciente com a demorada manobra dele para deixar o estacionamento.
“Foi
por pouco!” – ouviu-a resmungar, como se não quisesse ser ouvida, para que ele
não se inteirasse dos seus motivos para fugir dalguma coisa a ele desconhecida.
Porém, sendo o momento de extrema tensão, ele foi incapaz de atentar aos verdadeiros
motivos da pressa com que, mais que ele, ela tentava sumir daquele lugar.
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